Publicado em: 01/11/2018 19:18:29
As livrarias atraem mais do que bibliotecas?
Quando criança, eu não tinha o hábito de frequentar bibliotecas. Até porque elas não existiam no meu bairro, ou nas redondezas onde
eu morava. Mas eu amava ler! Adorava bancas de jornal e livrarias, que eram os lugares onde eu encontrava livros e revistas e podia
saciar minha sede de leitura. Depois descobri a biblioteca da escola e passava alguns recreios lá dentro, já que não podia levar os
livros pra casa. Lembro de uma excursão da escola à Biblioteca Pública Municipal do Rio de Janeiro, que era muito longe da minha
casa. Só me restava comprar os livros mesmo. Passeios a livrarias eram – e ainda são – os meus favoritos!
Foi só depois que me mudei para o Canadá que passei a frequentar bibliotecas públicas e me apaixonei. Tantos livros, tantos recursos
disponíveis gratuitamente para o público! Sou frequentadora assídua e sempre trago pra casa mais livros do que posso ler dentro do
prazo de entrega.
Como expatriada, comecei a questionar sobre os hábitos de leitura dos brasileiros, em especial sobre o uso de bibliotecas públicas.
Depois de muita pesquisa, vi que há sim várias bibliotecas públicas em todo o Brasil. Sim, são escassas, e talvez o acervo não seja o
dos mais atraentes ou relevantes, mas o recurso está lá. A pergunta então era: será que o povo usa?
No ano passado, em março, fui ao Rio de Janeiro visitar a família e fiz questão de conhecer uma biblioteca pública. Era quinta-feira.
Fui no Centro Cultural Banco do Brasil, no centro da cidade, onde tem uma biblioteca no quinto andar. Fiquei maravilhada com o
espaço! Tudo tão novo, tão arrumado! Tão diferente da minha biblioteca universitária na Escola de Comunicação da Praia Vermelha.
Tive que deixar bolsas na entrada, mostrar identidade e tudo. Sinceramente? Achei que isso já era a primeira barreira para o uso da
biblioteca. Entendo a questão da segurança, mas devia haver outra forma de evitar roubo sem ter que obrigar os usuários a deixar
seus pertences na porta. (Não preciso nem dizer que isso não existe aqui no Canadá, né? Com exceção de bibliotecas de coleções
especiais e materiais raros, claro).
Fiquei encantada com a biblioteca infantil! Adorei a parede com lombadas de livros, coisa mais linda! Entrei no espaço infantil e
encontrei apenas uma mãe com um menino de uns 7 anos talvez. O menino pedia pra mãe ler pra ele. A mãe estava ocupada no seu
celular, sem dar atenção ao menino, ignorando o seu pedido. Aquilo me cortou o coração! Uma criança estava ali, sedenta pela
leitura, e justamente a pessoa que deveria mais incentivá-lo estava desperdiçando esta oportunidade. Então foi na biblioteca pra quê,
alguém pode me explicar?
Saí de lá e fui ver as outras estantes, com material de pesquisa. Adorei ver o catálogo de fichas, coisa que não vejo mais por aqui,
que só consultamos o acervo digitalmente. Vi algumas pessoas estudando em salas de leitura, mas a biblioteca estava bem vazia. Não
contei mais de 20 pessoas por lá.
Bem, numa quinta-feira, de manhã, no centro da cidade, como é que eu poderia esperar uma biblioteca cheia, não é mesmo?
Depois do almoço, no mesmo dia, na mesma quinta-feira, eu passei pela porta da Livraria Cultura, na rua Senador Dantas, também
no centro da cidade.
A livraria estava LOTADA!
Na parte infantil tinham algumas famílias com crianças de várias idades, passando pelas estantes e escolhendo livros. Outras
sentavam no chão com seus filhos no colo e folheavam livros juntos. Em todos os andares, muita gente. Os caixas, com fila.
E a pergunta: se tem um lugar onde as pessoas podem ter acesso a livros sem pagar um tostão, por que é que preferem gastar
dinheiro com os livros em vez de pegar emprestado nas bibliotecas públicas?
Posso imaginar algumas respostas:
1) O acervo das bibliotecas públicas não é adequado e não atende à necessidade do público
Eu sinceramente não tenho ideia de como é feito o gerenciamento do acervo de bibliotecas públicas no Brasil. Elas compram
materiais publicados recentemente? Você pode encontrar os best sellers por exemplo? Pelo que vi na biblioteca do CCBB, pelo
menos na parte infantil, o acervo não era muito grande. Vi alguns títulos novos, mas a maioria não era. O estado físico das obras
também era ruim, com aspecto velho, folhas amareladas, lombadas machucadas. O leitor tem prazer em ler um livro em bom estado.
Se o leitor quer ler Nicholas Sparks e não encontra na biblioteca, claro que tem que comprar na livraria (não procurei por este autor
naquela biblioteca, então é só um exemplo mesmo).
2) O público não tem conhecimento das bibliotecas públicas
Voltemos ao início do texto, lá quando eu era criança e não tinha a mínima ideia de que poderia existir um espaço de livre acesso aos
livros. Biblioteca pra mim era algo que existia na escola e em lugares bem longe da minha casa. Biblioteca pra mim era um lugar
onde não se podia falar alto. Biblioteca pra mim era um lugar onde encontrávamos livros velhos, muito antigos, empoeirados e com
cheiro de mofo. A minha geração, que teve a mesma experiência que eu tive, provavelmente não vai pensar na biblioteca como
opção cultural para levar seus filhos. Esses vão associar livros à livrarias imediatamente.
3) O acesso a bibliotecas é dificultoso
Essa e a última questão estão ligadas. É a questão da escassez. Provavelmente há mais livrarias do que bibliotecas públicas em
cidades grandes do Brasil.
Acredito que o acervo deficiente seja uma das principais razões pelas quais o brasileiro prefere comprar o livro do que pegar
emprestado. Porque talvez o livro que ele queira ler não esteja na biblioteca. Ou se está, o acesso não é facilitado ou o livro não está
em condições boas de uso. Posso estar totalmente enganada, afinal estou longe e não tenho como avaliar essa questão de perto.
Sei que minha amostragem é muito pequena. Eu só visitei uma biblioteca pública. Mas no meu círculo de amizades vejo que essa
hipótese não é tão absurda assim. Pouquíssimas pessoas que eu conheço no Brasil, em várias cidades até, têm o hábito de frequentar
bibliotecas. Muito mais gente compra livros em livrarias, das pessoas com que me relaciono.
Mas vocês aí, me digam, por que o povo prefere livrarias a bibliotecas? E como podemos inverter essa situação no nosso papel de
bibliotecários?
Fonte: Texto de: Ana Paula Calabresi Publicado em 12/05/2014 disponível em: https://bsf.org.br/2014/05/12/por-que-leitores-brasileiros-preferem-livrarias-a-bibliotecas/